não posso esconder:
- Deus é um troço
que me incomoda
inseto algures
na noite em claro
inquieta pulga
que me passeia
fazendo cócegas.
Deus me aflige
como doença
que progredisse
secretamente.
Deus é um bicho
de estimação.
se o escorraço
Deus me perdoa
e volta, à-toa.
Deus me persegue
como um remorso
waldo motta
(salário da loucura, 1984)
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Waldo Motta, num tom mais tranquilo, coloquial, menos iracundo e trágico do que no poema de Ernesto, reconhece e descreve com maestria e com mais leveza esse jogo de esconde-esconde.
Ao final, o poema deixa explícita aquela ambígua condição que no poema de Ernesto era apenas vislumbrada: a incômoda situação de ateu arrependido que envolve o poeta, o poeta tomado pelo ‘remorso’ de, ao contrário das chamadas pessoas comuns, não conseguir vivenciar, com simplicidade e confiança, realidades como Deus, Mistério, Fonte.
É preciso registrar que Waldo Motta é, neste país, um dos poucos poetas de renome que vem assumindo com todas as letras a temática de Deus, da religiosidade e do sagrado em sua obra, não se incomodando em arranhar sua reputação de poeta marginal, iconoclasta, com essa explícita opção pelo sagrado.
Isso, em se tratando de um dos mais criativos, radicais e desbocados poetas da atualidade brasileira, não é pouca coisa, e só vem ilustrar a afirmação feita acima: a de que a maturidade artística e poética não tem que necessariamente excluir o tema do sagrado e do divino, nem tem que se ater apenas a dissecações e malabarismos verbais e semióticos, pelo contrário, a maturidade pode e deve se dar pelo poder de síntese, de amplitude, de superação de etapas.
Waldo, na verdade, tem trilhado um caminho que dificilmente pode ser rotulado de apenas artístico ou poético, é uma construção que procura plasmar numa só arquitetura elementos de arte, ciência, religião, história, misticismo, cabala, entre outras manifestações do conhecimento humano - ou do Espírito, se assim preferirem os hegelianos.
Oportunamente, Desvelar publicará um comentário mais aprofundado da obra de Waldo Motta, para que o leitor tire as próprias conclusões acerca de suas propostas – polêmicas, para dizer o mínimo.
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