que vais fazer, Deus, se eu morrer?
eu sou teu cântaro (e se eu me quebrar?)
eu sou tua água (e se eu me estagnar?)
eu sou teu hábito e sou teu ofício;
sem mim, tu perderias a razão de ser...
depois de mim, não terás casa em que
palavras próximas e tépidas te acolham
vai cair de teus fatigados pés
a sandália macia que sou eu.
teu largo manto deixar-se-á cair.
teu olhar, que com minhas faces eu
aqueço, como se com almofadas,
virá de longe a procurar por mim
- e ao pôr-do-sol se porá
no colo de estranhas rochas.
que vais fazer, Deus? estou preocupado.
rainer maria rilke (livro de horas, ed. civilização brasileira, 1994)
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Esse poema de Rilke é como um eco, uma pereita confirmação daquilo que foi dito há pouco: com sua costumeira mescla de delicadeza e transcendência, Rilke faz uma verdadeira sagração da simbiose entre Deus e homem.Rilke dispensa comentários muito longos, mesmo porque a sua poesia já foi comentada aqui no Desvelar, em julho de 2009 (silêncios e desvelos I e silêncios e desvelos II). De qualquer forma registre-se mais uma vez a admirável e reverente singeleza com a qual Rilke aceita e celebra a condição humana de ser ao mesmo tempo fruto e suporte de Deus - poema que se supera enquanto tal, transmutando-se numa verdadeira, lúcida e profunda oração àquilo que existe, autêntica e suficiente simbiose entre Ser e Verbo, entre a árvore e o fruto: o ser se oferecendo enquanto Verbo, o Verbo percebendo e nomeando o Ser, e se reconhecendo enquanto fruto do Ser.
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