...primeiras manhãs
digo que o impalpável deus mistério
tem dias que dá de dormitar e orar
nestas bandas aqui do mundo
acontece:
os raios engenheiros do sol
vêm vistoriar a ponte e a manhã
mas se esquecem e se encantam:
brincam
cintilam
tintilam
nas águas profundas da baía
toda céu-dourada lá pelas dez horas
parece:
ora querem trazer o céu para a terra
ora querem fundir mar-e-céu azuzuis
ora querem
afundar e
dormir
ali
parece - e acontece – uma
oração de alegria azul dourada e calada
(danada de bonita, uai!)
roberto soares
Este meu poema, e mais os três que se seguem, querem tão somente uma celebração do divino no meio mesmo do mundo. Três despretensiosas e singelas tentativas de desvelar a fugitiva presença do Ser em meio à infinidade de entes e fenômenos que povoam o Real, sem tentar fixar o Indizível, o Difuso, de forma desesperada ou exigente; ao contrário, a única preocupação é a de identificar e reconhecer o divino em realidades concretas, bem ao alcance nossos olhos e mãos: os raios do sol, o vento, os lírios, azul, o mar. O poema terceira ponte, primeiras manhãs eu o escrevi em 98, logo nos primeiros meses de minha chegada aqui em Vitória. Publico aqui uma fotografia da Terceira Ponte. Quanto a deus nos lírios, poema da portuguesa Renata Botelho, foi extraído do blog Hospedaria Camões. Note-se o vigoroso contraste do poema a pérola... com o poema pluma noturna, ambos de Vicente Filho: no primeiro o sagrado é nomeado e apontado com firmeza, confiança e ímpeto quase guerreiro, ao passo que no segundo poema, como já apontamos tudo é difícil, hesitante, difuso. A registrar ainda que tempo, vazado num tom mais engajado e menos metafórico, mais prosaico, não se detém tanto nessa ênfase da pura celebração - ou melhor, não faz a celebração do homem em meio aos entes do mundo, faz a celebração do homem em meio à sua própria história, embora, claro, uma celebração meio amarga, ou mais lúcida. Uma reverente prospecção do mistério que se manifesta na história que fazemos, uma politização transcendente, uma inserção desta mesma história que fazemos num horizonte maior, no vasto e enigmático horizonte do tempo ao qual não temos acesso - bem, pelo menos enquanto não podemos ou não conseguimos ver a Fonte face a face.
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