08/11/2011

poesia e finitude (20)

órgãos vitais

podes despir
esse vestido de serapilheira
mostrar os restos podres da vindima
e dizer-me: «vês, morri».

Também eu fui
adormecendo, também eu tentei
reconstruir os órgãos vitais
desenhar um a um os contornos do corpo
embora me faltassem as ferramentas
para materializar o complexo circuito
da memória.

agora, olhas-me
com os mesmos gestos estáticos
enquanto o coração palpita noutro lugar
e a boca vai soltando larvas e morcegos.

podes dizer-me que morreste.
os mortos entendem-se bem.

paulo tavares - portugal

07/11/2011

diário do ocupa bh

No Brasil, além de São Paulo, no dia 11.11.2011 o movimento Ocupe as ruas, ocupe o mundo acontecerá em diversas outras cidades. Uma delas certamente será Belo Horizonte, cuja ocupação, tal como em Sampa, já dura 22 dias - iniciou-se no histórico 15 de outubro, dia da primeira mobilização planetária da história.

Publico abaixo um trecho do diário da ocupação em BH. Chama a atenção a convivência entre o Ocupa BH e a Ocupação Dandara,  que é a luta dos moradores da comunidade Céu Azul, bairro de Belo Horizonte, próximo à Lagoa da Pampulha.

A ocupação ocorreu em abril de 2009 e se deu num terreno abandonado desde a década de 70 pela Construtora Modelo. Essa construtora tem dívidas de impostos de cerca de 70 milhoes de reais, segundo os líderes da Dandara, portanto a luta é para desapropriar um terreno (que, juridicamente, já deveria estar na posse do poder público) para se erguerem nele moradias para aqueles que delas precisam. Mais sobre Dandara aqui.
Veja também Ocupar a periferia

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Diário da Ocupação – 07/11/2011 - 22º dia
Domingo de manhã a praça costuma estar cheia e hoje não foi diferente. A oficina do circo e a biblioteca voltaram a fazer sucesso, inclusive novos livros foram doados. Novas pessoas apareceram hoje e debates espontâneos foram surgindo. O assunto do vídeo fase 2 do Anonymous foi muito comentado também.

Com a chegada de novas tintas, a oficina de pintura ” Seja bem vindo, doe uma idea” voltou a funcionar. Mas a tinta ja acabou novamente.Estamos planejando a agenda de sábado para ficar pronta amanhã e começarmos a divulgar.
Recebemos a mensagem de um dos integrantes da OcupaBH que passou o final de semana na ocupação do Rio. Novas ideias virão pra melhorar nosso acampamento.

Muitas pessoas do acampamento foram pro show do Graviola, no Comunidade Dandara, e com isso não realizamos muita coisa hoje, mas contatos com diversos grupos foram feitos no Dandara para apresentações e oficinas no nosso acampamento. Falando em Dandara, não custa lembrar que amanhã terá a votação do projeto de desapropriação do terreno da Contrutora Modelo, ao qual a Comunidade Dandara ocupa. Quem puder ir na parte da manhã pra fazer pressão, ajudará muito.

Que venha a segunda-feira e o começo do novo ciclo
Unificação e Educação !

transcrito do blog ocupabh

06/11/2011

poesia e finitude (19)

os poemas que escrevas

os poemas que escrevas
ainda que muitos, são
um só, inacabável
interceptado um dia:

sufocante abertura
por onde irás descendo
a um poço, uma vertigem
com uma única saída
que, enfim, vislumbrarás
quando já não tiveres olhos.

josé bento - portugal, em sítios, assírio & alvim, lisboa, 2011

04/11/2011

ocupar a periferia

Thiago Santos lembra algo que já se faz necessário: é preciso fazer não apenas ocupações simbólicas, em praças, edifícios e avenidas famosos,  mas levar o movimento OCUPA para dentro do mundo de verdade, para  a periferia, para dentro da vida do povo.  Ou seja, ao lado das ações espetaculares, de maior ressonância, ao lado do enfrentamento com os ícones do decadente capitalismo, é preciso trabalhar ações mais básicas que, se repercutem e atraem menos num primeiro momento, por outro lado fincam raízes no meio mesmo do povo.
Afinal, é somente como povo que iremos conseguir de fato parar o Ocidente, fazer colapsar o Capitalismo.
Certamente que chegará um momento em que  as ações da Rebelião dos Povos, desse movimento em nível planetário, terá que dialogar, interagir mais concretamente, com todo uma realidade de luta popular que nunca deixou de OCUPAR o seu espaço. Ou este movimento planetário funde-se com as lutas populares que já exsitem há décadas ou com o tempos será neutralizado, absorvido ou vencido pelo cansaço. 

poesia e finitude (18)

conversas de família

o que me agradeces, pai
acompanhando-me
com esta confiança
que tua morte criou entre nós?

não podes dar-me nada
não posso dar-te nada
por isso me entendes

jaime gil de biedma - espanha, 1929-1990

03/11/2011

ocupa são paulo - 19 dias

Desde o 15 de outubro, dia da primeira Rebelião Planetária, ativistas de diversas partes do Brasil mantém um acampamento no Vale do Anhangabaú, em São Paulo. Masi informações, imagens e  textos pdem ser acessados no facebook, acampasampa, e no blog do acampamento.
Também já foi publicado neste blog um texto  sobre o Ocupa São Paulo.

a primeira e grandiosa vitória

Os acontecimentos envolvendo a crise do capitalismo e a Rebelião Planetária continuam a se suceder - e a surpeender - numa velocidade inesperada. Avançam as ocupações e enfrentamentos nos Estados Unidos, consolidam-se os protestos no Brasil -  além de São paulo, ocorrem acampamentos em várias outras cidades. 

Mas  a notícia do  momento é de fato a decisão do primeiro ministro da Grécia, Giorgios Papandreau, de convocar um referendo para que o povo grego possa decidir, de forma livre e autônoma,  se aceita o desumano e descarado pacote de austeridades imposto pela União Européia e pelo FMI.

Pode até ser que o referendo não aconteça, pode ser que seja barrado pelo parlamento grego, pode ser que até mesmo que Papandreau perca o cargo de primeiro ministro, se perder o apoio de seu partido e se continuarem as furiosas e desespetradas pressões dos países da Zona do Euro. Pode também ocorrer apenas um referendo de fachada, fraudado, ou algo assim, de forma que o povo grego não possa se manifestar realmente com autonomia e lucidez.

Pode ocorrer qualquer uma das posssibilidades acima ressalvadas, mas o que não pode ser esquecido: foi uma primeira e grandiosa vitória da Rebelião dos Povos. Com certeza que essa discussão, acerca do hipócrita e arrogante pacote de austeridades da UE e do FMI, jamais teria ocorrido se não fossem as impressionantes e heróicas manifestações populares do povo grego, que começaram já no distante 2008.

Aliás, nunca é demais lembrar que todas essas manifestações que explodiram em 2011 (seja nos países árabes, na Europa, nos EUA ou no Brasil) são tributárias dessas manifestações dos gregos nesses dois últimos anos. A propósito da decisão de Papandreau, que deixou atônitos, desesperados e raivosos os dirigentes europeus das mais diversas correntes políticas (inclusive os 'socialistas' da Grécia), leia:

E, abaixo, uma notícia de agora há pouco (12:38 h), e já esperada, acerca da possibilidade Papandreau cancelar a proposta de referendo pra o povo grego se manifestar: 

Mas não importa se  o referendo não acontecer, a simples possibilidade de sua realização, ainda mais vinda de parte do primeiro ministro, certamente que dará um novo alento  à luta do povo grego e dos povos em rebelião mundo afora.

Por falar em rebelião planetária, veja abaixo imagens da vibrante manifestação de Oakland na semana passada, 26/10: http://rscoelho.blogspot.com/2011/11/imagens-da-rebeliao-planetaria-oakland.html

Em breve, imagens e informes sobre  a nova manifestação que oorreu em Oakland nessa última noite (quarta para quinta). E também sobre o Ocupa São Paulo, que sábado completará 03 semanas.

imagens da rebelião planetária - oakland, califórnia

02/11/2011

poesia e finitude (17)

ILEGIBILIADE deste
mundo. tudo duplo.

os relógios poderosos
dão razão à hora físsil,
roucos.

tu, encalacrado em teu âmago
te apeias de ti
para sempre.

paul celan - romênia, "partitura da neve", 1971
trad. flávio kothe, "hermetismo e hermenêutica", 1985

01/11/2011

moção de repúdio - capixaba precisa imitar carioca?


A bela  imagem abaixo é chamada de Pedra dos Olhos, uma original paisagem que fica bem no meio da cidade de Vitória, capital do Espírito Santo. Os vereadores da cidade houveram por bem autorizar os estudos para a construção de uma réplica do Cristo Redentor em frente à Pedra do Olhos.

Nada contra render homenagem ao monumento do Rio de  Janeiro. Mas daí a  construir uma cópia na própria capital do estado, já é uma declaração de falta de criatividade, de identidade própria e de respeito para com a própria riqueza paisagística - e até mesmo falta de respeito para  com os turistas, como se eles não fossem capazes de admirar e se identificar com outras paisagens e monumentos, desconhecidos ou diferentes de outros já famosos.

A moção de repúdio do Conselho Estadual de Cultura, abaixo divulgada, aponta muito bem essa falta de visão, de respeito e de identidade dos vereadores de Vitória.

Afinal, já basta que os capixabas vivam por procuração, no que diz respeito às emoções do futebol. É uma verdadeira idolatria aos times do Rio de Janeiro, ao passo que torcedores, dirigentes e empresários não conseguem sequer firmar um time capixaba na QUARTA DIVISÃO do futebol brasileiro. Enquanto isso, Santa Catarina, estado tão pequeno quanto o Espírito Santo, tem QUATRO times disputando, há muitos anos, ora a primeira ora a segunda divisão do campeonato brasileiro.

Nisso de futebol e de aproveitamento de suas paisagens naturais, os capixabas deveriam fazer tal como fizeram com o samba e com o carnaval: percebe-se uma nítida influência do Rio de Janeiro nos seus sambistas, nos seus desfiles e nas suas escolas, mas com uma marca própria, uma riqueza recriada, uma emoção e uma celebração autênticas; de um lado, feita e, de outro, vivida pelas pessoas da terra - como bem atestam os desfiles anuais no Sambão do Povo - ou seja, não se trata de um vivência e de uma celebração abstratas, por procuração, tal como ocorre nas televisivas e passivas contemplações do futebol de todo domingo (e na abstrata emoção das discussões futebolísiticas de todos os dias).  

Os membros mais atuantes do Conselho de Cultura,  junto com artistas, intelectuais e militantes políticos e sociais deveriam ir além da Moção de Repúdio e fazer um verdadeiro movimento de enfrentamento a essa estapafúrdia iniciativa de, mais uma vez, fazer o capixaba se emocinar por procuração, ao invés de ajudar a forjar uma identidade ainda em construção. 



MOÇÃO DE REPÚDIO AO PROJETO APROVADO NA CÂMARA DE VEREADORES DE VITÓRIA PARA A CONSTRUÇÃO DE UMA RÉPLICA DO CRISTO REDENTOR NA PEDRA DOS DOIS OLHOS
(trechos)
Conforme noticiado no jornal Gazeta Online do dia 5 de Setembro de 2011 a Câmara de Vereadores de Vitória aprovou por unanimidade o projeto de lei de autoria do vereador Luis Carlos Coutinho (PDT) que autoriza o início de estudos para a construção de uma réplica do Cristo Redentor na Pedra dos Dois Olhos, localizada no bairro Fradinhos, na Capital.

A Câmara de Patrimônio Natural, Ecológico e Paisagístico do Conselho Estadual de Cultura considera absurda a aprovação de tal proposta que – diga-se de passagem – foi vetada na Prefeitura Municipal de Vitória – e que, além de causar impacto no monumento natural, fere a identidade capixaba, ao replicar um símbolo mundialmente conhecido do Rio de Janeiro em um patrimônio da cidade de Vitória.

A instalação de uma réplica do Cristo Redentor irá sobrepor o monumento que já é, por natureza, um símbolo da cultura capixaba. O projeto deixa clara a baixa autoestima do capixaba com relação à sua identidade cultural, tendo em vista que busca referências de outras localidades sempre que se pretende realizar ações com o objetivo de projetar a cidade e o Estado nacionalmente.

Em condições que não afetem o patrimônio natural, porque não destacar personagens como Maria Ortiz, o índio capixaba, catraieiros ou tantos outros símbolos da cultura local? Logo que assumiu o Ministério da Cultura, Gilberto Gil foi uma figura de renovação no debate sobre a diversidade cultural brasileira, na publicação – que leva o nome do tema – ele cita:
“O conceito de diversidade cultural nos permite perceber que as identidades culturais nacionais não são um conjunto monolítico e único. Ao contrário, podemos e devemos reconhecer e valorizar as nossas diferenças culturais, como fator para coexistência harmoniosa das várias formas possíveis de brasilidade”.

É ainda mais apelativa e incabível a justificativa da proposta no fomento do turismo, demonstrando que os nossos vereadores não buscaram embasar a proposição e não consultaram amplamente os colegiados do segmento, como o próprio Conselho Estadual de Cultura. Não é necessária tamanha agressão – visual, de identidade e de impacto direto – para se fomentar o turismo em nossas Unidades de Conservação.
O que os senhores vereadores precisam realmente se debruçar e debater é o investimento em infraestrutura e preparação das comunidades locais para atuar nestas áreas preservadas, abrindo para turistas e visitantes áreas ecológicas tão relevantes como o Parque Estadual da Fonte Grande.

poesia e finitude (16)

piscar

Pedro Salinas diz num poema
que não quer deixar de sentir
a dor da ausência
da mulher amada
por isso ser só
o que lhe resta dela:
a dor.
Não me lembro das palavras exactas,
ele di-lo melhor do que eu.
Eram outros tempos,
Salinas está morto,
a mulher que amava também,
em breve estaremos todos.
A vida é um piscar, apenas,
abre os olhos
e fecha.

roger wolfe - inglaterra/espanha, poemas dispersos , 2008

poesia e finitude (15)

uma chama

Senhor, dá-nos um longo inverno
e música suave, e bocas pacientes
e um pouco de orgulho - antes
que o nosso tempo chegue ao fim.
Dá-nos o espanto
e uma chama, alta, clara.

adam zagajewski - polônia

poesia e finitude (14)

à espreita

não ouves seus ofegos? cada dia
eu os escuto mais próximos, sozinho
contigo, no meio do verão
entre os gritos da multidão
à fogueira, no inverno
com um belo livro
no ranger da neve
ou no estrondo da chuva
quando acendo as luzes em casa
quando o mar, quando chegas
quando estendo a mão
para frutos vermelhos palpitantes.

está aí, à espreita
levanta a garra, espera.

tu não a vês, sorris
eu sorrio também.

deixe que te beije mais uma vez
antes que o seu hálito nos alcance.

josé luis garcía martín - espanha, material perecedero (1998)
tradaução: roberto soares

25/10/2011

denúncia: mais um assassinato na amazônia

Continuam os assasinatos, a eliminação pura e simples de trabalhadores e militantes que, ao mesmo tempo em que lutam por mais dignidade em suas vidas,  também tentam frear a irracionalidade da ocupação da Amazônia, a cegueira do desenvolvimento a qualquer, como se esses avanços econômicos e técnicos fossem sempre urgentes, inadiáveis, insubstituíveis.

Os textos abaixo estão sendo divulgados pelo Bispo de Itaituba, PA, e pela Comissão Pastoral da Terra.  Para além da triste denúncia de mais uma vida aniquilada, mostram também um pouco do complexo jogo de forças,  da tensão cotidiana de pessoas e órgãos envolvidos nesse processo  desenvolvimentista, de um lado,  e na sua  corajosa contestação, de outro.  

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Denunciamos o assassinato covarde de mais um defensor da natureza na Amazônia.

Sábado foi assassinado o líder comunitário João Chupel Primo em Miritutuba, município de Itaituba, PA. Conheci o João foi em sua comunidade que realizei as primeiras crismas como bispo de Itaituba.

Eu o tinha encarregado de fundar uma nova comunidade. Justamente no dia da crisma em junho deste ano, ele deixou de ser o coordenador da Comunidade Nossa Senhora de Nazaré de Miritituba para poder se dedicar à fundação da nova comunidade.

Ele vinha fazendo denúncias sobre grilos de terras e extração ilegal de madeira (veja a nota). Por isso foi assassinado brutalmente com um tiro na testa sábado passado.
Quando os defensores da natureza e da legalidade vão deixar de serem mortos? Quando o Governo Federal colocará pra valer a Polícia Federal para agir no Pará?
Fraternalmente

Dom Frei Wilmar Santin, O.Carm.
Bispo da Prelazia de Itaituba, Pará - Brasil

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Coordenador da Comunidade de Miritituba/ Itaituba - PA é assassinado

Sábado, dia 22 por volta das 14 horas, foi assassinado com um tiro na cabeça João Chupel Primo, com 55 anos. Ele trabalhava numa oficina mecânica onde o crime ocorreu, ao lado de seu escritório.

João denunciava a grilagem de terras e extração ilegal de madeira, feitas por um consorcio criminoso. Ele tem vários Boletins de ocorrências de ameaças de morte na Policia local. E fez várias denuncias ao ICMBIO e a Policia Federal, que iniciaram uma operação na região.

A madeira é retirada da Flona Trairão, e da Reserva do Riozinho do Anfrizio. Onde as portas de entrada para essa região, que faz parte do mosaico da Terra do Meio, se dá pela BR 163 Vicinal do Brabo cortada até o Areia; entrando pelo Areia (Trairão) cortada até Uruará. Pela BR 230: vicinal do Km 80. Vicinal do km 95. Vicinal do 115. A operação do ICMBIO, que recebeu apoio da Policia Federal, Guarda Nacional e Exercito não teve muito êxito, pois toda noite ainda saem 15 a 20 caminhões de madeira.

Dizem que não foi dado continuidade na operação por medida de segurança. Um soldado do Exército trocou tiro com pessoas que cuidavam da picada quilômetros adentro da mata e ficou perdido 5 dias no mato. O Exercito retirou o apoio. A Policia Militar também não quis dar apoio.

A responsabilidade de mais uma vida ceifada na Amazonia, recai sobre o atual governo, o IBAMA/ICMBIO, Policia Federal, que não deram continuidade a operação iniciada para coibir essa prática de morte, tanto da vida da Floresta como de pessoas humanas.

Desde 2005 até os dias atuais, já foram assassinadas mais de 20 pessoas nessa região.
Quantas vidas humanas e lideranças ainda tombarão???

Itaituba, 24 de Outubro de 2011
Comissaõ pastoral da Terra, CPT – BR163
Prelazia de Itaituba

24/10/2011

conselho

sê paciente; espera
que a palavra amadureça
e se desprenda como um fruto
ao passar o vento que a mereça

eugénio de andrade - portugal

23/10/2011

aos que vão nascer

Nestes tempos de perplexidades e incertezas, mas também de vibrante rebeldia, bastante apropriada a publicação deste também vibrante poema de Brecht, dramaturgo e poeta alemão (1898-1956)e militante da revolução dos povos. Na verdade, é apenas a segunda parte do poema, que é dividido em três seções.

Oportunamente publicarei as outras duas. Por ora, essas chamejantes palavras a lembrar que a atual Rebelião dos Povos tem firmes raízes na história,  a lembrar que a história dos povos é feita de resistência e de lutas - por mais que os mecanismos de dominação cultural queiram apagar, neutralziar ou diminuir essa memória de lutas e de crenças dos homens na transformação e na evolução  das formas de convívio entre eles.
A atual Rebelião é mais um passo na direção dessa transformação e dessa evolução, e o poema de Brecht vem lembrar-nos  outros passos dados nessa longa e necessária caminhada.  

aos que vão nascer - parte II
bertolt brecht

Cheguei às cidades em tempo de desordem
quando a fome reinava.
Entre os homens cheguei em tempo de revolta
e rebelei-me com eles.

Assim se foi o tempo
que sobre a terra me foi dado.

Minha comida engoli-a entre os batalhas
ao dormir deitei-me entre matadores
cuidei do amor com descaso
e a natureza eu olhava sem paciência.

Assim se foi o tempo
que sobre a terra me foi dado.

As ruas levavam ao pântano do meu tempo.
As palavras entregavam-me aos carrascos.
Eu tinha tão pouco. Mas os governantes
ficavam mais confiantes sem mim, eu esperava.

Assim se foi o tempo
que sobre a terra me foi dado.

Os fortes eram poucos. A meta
ficava bem longe
claramente visível, mas também para mim
tão difícil de alcançar.

Assim se foi o tempo
que sobre a terra me foi dado.

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Aqui, uma outra versão do poema, para quem gosta de comparações entre traduções diferentes:

À cidade cheguei em tempo de desordem
Quando reinava a fome.
Entre os homens cheguei em tempo de tumulto
E me revoltei junto com eles.

Assim passou o tempo
Que sobre a terra me foi dado.

A comida comi entre as batalhas
Deitei-me para dormir entre os assassinos
Do amor cuidei displicente
E impaciente contemplei a natureza.

Assim passou o tempo
Que sobre a terra me foi dado.
As ruas de meu tempo conduziam ao pântano.
A linguagem denunciou-me ao carrasco.
Eu pouco podia fazer. Mas os que estavam por cima
Estariam melhor sem mim, disso tive esperança.

Assim passou o tempo
Que sobre a terra me foi dado.

As forças eram mínimas. A meta
Estava bem distante.
Era bem visível, embora para mim
Quase inatingível.

Assim passou o tempo
Que nesta terra me foi dado.

(Tradução de Paulo César de Souza, São Paulo: Editora 34, 2000)

a rebelião dos povos se firma no brasil

A Rebelião dos Povos continua a deitar por terra afirmações e análises dos chamados 'especalistas' em política, sociologia, comportamento, etc etc. O consenso ainda é o de que esse movimento ficará restrito a sociedades e países envolvidos masi fortemente pela crise, tais como europeus e  americanos, ou com problemas de ordem econômica e de opressão política, caso dos africanos, árabes e de povos do Oriente Médio. Pois a Rebelião chegou ao Brasil, que está muito longe de ser afetado pela crise tanto quanto europeus e americanos (pelo menos por enquanto), nem está sob a opressão de uma ditadura.  Leia abaixo, num texto trasncrito de Carta Maior 

Indignados de São Paulo recebem apoio dos moradores de rua e ameaças da polícia 

O 15 de outubro passou, mas os paulistanos que realizaram manifestações em sintonia com outros locais do mundo permanecem acampados no vale do Anhangabaú. Com uma média de 70 pessoas dormindo todas as noites e 200 presentes durante o dia, o acampamento aperfeiçoa sua estrutura, recebe apoios e amadurece politicamente, enquanto o poder público responde com ameaças.

Castigado nos primeiros dias pela chuva desproporcional na cidade de São Paulo, o movimento teve dificuldades de romper a barreira midiática para amplificar o seu recado à população. Mesmo assim, conseguiu marcar presença neste protesto realizado em mais de 900 cidades e 80 países.

Os dias de frio foram contrastados pela calorosa recepção dos moradores de rua. Não foi preciso grandes explicações sobre as motivações do acampamento para que um representante do Movimento Nacional da População de Rua pedisse a palavra em uma das assembleias para dar o seu apoio. Aproveitou para explicar que os moradores de rua da região estão cientes dos novos vizinhos, mas temem acompanhá-los mais de perto nas noites por medo de represálias.

A Guarda Civil Metropolitana (GCM), por motivos opostos, também se faz presente, com pelo menos duas viaturas a cada madrugada. Na manhã da terça-feira, os policiais fizeram a primeira incursão sobre o território ocupado para confiscar as faixas com as mensagens políticas, o banheiro seco e demais materiais que estavam nas margens do local utilizado como dormitório. Não foram embora sem antes ameaçar voltar com mais truculência. E voltaram, acompanhados da Polícia Militar, na tarde de quarta-feira. Apesar da tensão, não ocorreram prisões nem despejo.
A ocupação foi considerada irregular com a justificativa de “uso indevido do solo”. A juíza Simone Viegas de Moraes Leme indeferiu a liminar do mandado de segurança do movimento, que tentava garantir a instalação das barracas e de materiais estruturais do acampamento. Na interpretação da advogada voluntária do movimento, Marcela Fogaça, essa permissão deveria ter sido dada como garantia do direito à livre expressão e organização, prevista na Constituição Federal. O movimento enviou um ofício à GCM insistindo nesses pedidos e aguarda resposta.
Tudo em ordem
A criatividade das pessoas - que encaixam entre seus compromissos cotidianos um horário para visita ao local – conseguiu apresentar soluções às necessidades básicas. Pia, panelas, talheres, copos e armazém de comida são cuidados por todos. Os pertences pessoais são organizados por grupos de afinidade, para evitar perdas. A Comissão de Comunicação trabalha diuturnamente, quando não é traída pelo gerador, para acelerar a divulgação de informações. Acordada também fica a Comissão de Segurança, organizada pelo revezamento de seus membros em turnos diferentes.

Se o empenho da militância já tem sido importante para o funcionamento do acampamento, as doações também são fundamentais. O movimento arca com suas necessidades – e, assim, mantem a autonomia diante do Estado, governos, empresas e partidos, contando apenas com recursos e materiais doados pela população. As assembleias realizadas todos os dias dão rumo aos encaminhamentos propostos pelas comissões.

Fora da ordem
O movimento aprovou, na última terça-feira, um novo manifesto, onde defende “mudança completa do sistema politico” e “participação na construção do nosso Brasil”. “Chega de decisões unilaterais concentradas nas mãos dos mais ricos dentre os ricos”, completa.

As atividades no local da ocupação se intensificam, e uma comissão de programação pretende convidar membros de movimentos sociais e intelectuais de esquerda para levarem suas contribuições. O padre Júlio Lancellotti, da Pastoral do Povo da Rua, compareceu ao local e lembrou que o Vale do Anhangabaú é palco de manifestações populares a muito tempo, tendo como destaque o histórico e massivo comício das diretas. Referindo-se aos novos protestos, Lancellotti afirmou que “esta manifestação é legítima, verdadeira e necessária”.
O movimento planeja organizar outras ações pela cidade. Na sexta-feira está agendada uma ação na sede da Bovespa. Sem certeza do tempo que será possível permanecer no local, este é mais um passo na organização política dessas pessoas – as que estão indignadas por algum e as indignadas por muitos motivos.

21/10/2011

kadafi morto: o pacto dos povos acabará com o horror absurdo

A imagem de Kadafi morto corre o mundo (veja aqui). Choca, assusta. Quem vê, e ainda tem um mínimo de sensibilidade,  automaticamente pergunta a si próprio se realmente é necessário que sejam divulgadas imagens assim. Sejam de ditadores ou de militantes, de assassinos ou de vítimas.
Pelo menos por um aspecto é legítimo que sejam divulgadas. Principalmente quando se trata de uma figura famosa, polêmica, marcante.

Pois aí nos chocamos com mais intensidade, a imagem atinge-nos com mais crueza. Afinal alguém tão poderoso e tão falado,  até há pouco tempo, está agora morto, ferido, sangrado, imóvel - exposto como um animal em sua imobilidade, o sangue coagulado em sua face tornando ainda mais chocante essa exposição.

Mas, para além da óbvia lembrança de nossa animalidade e fragilidade, imagens assim remetem a uma outra dimensão: as consequências de uma guerra, seja ela motivada pelo que for.  Aí refletimos: quantos corpos - anôminos e vulneráveis -,  são assim feridos, sangrados, linchados, expostos, mutilados, numa guerra, qualquer que seja ela?

A guerra não presta, a guerra é o horror, a guerra é a liberação daquilo que temos de pior: a  brutalidade em potencial, adormecida,  combinada com a nossa assustadora inteligência para fabricar e manusear técnicas e equipamentos terríveis.

A guerra não presta, a guerra tem que ser banida da humanidade. A eliminação da guerra com certeza tem que ser uma da principais preocupações da Rebelião Planetária e, com certeza, será uma conqusita  do Pacto dos Povos. Que a morte, e a exposiçao da morte de Kadafi, reforce essa preocupação e esse choque com a guerra.

A propósito, o texto abaixo retrata um pouco das motivações de tantas guerras. Não traz muito de novo, apenas lembra-noso da presença dos gansgters de sempre, na motivação, inspiraçaõ ou condução dessas horríveis guerras. Também lembra algo interessante: a morte de ex-aliados que se tornam inimigos dos comandantes europeus e americanos é sempre brutal, impiedosa, e parentemente nunca pode ser evitada.
Para quem quiseu ver mais imagens da morte de Kadafi: folha online e  you tube (prisão e linchamento) 

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os gangsters imperialistas
Kadafi foi assassinado para que não fosse levado a nenhum tribunal, onde poderia contar tudo o que sabia sobre as relações entre seu governo e a CIA, o governo e os serviços de inteligência britânicos, Sarkozy e seus “barbudos”, Berlusconi e a máfia, e poderia também lembrar quem são Jibril e Jalil, principais líderes atuais do Conselho Nacional de Transição e, até bem pouco tempo, seus fieis agentes e servidores. O artigo é de Guillermo Almeyra.
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Um vídeo, publicado pelo Le Monde, mostra Muammar Kadafi capturado vivo e lichado por seus inimigos. Ele não morreu, portanto, em um bombardeio da OTAN quando fugia em um comboio nem em consequência das feridas recebidas quando o levavam em uma ambulância.

Ele foi simplesmente assassinado para que não fosse levado a nenhum tribunal porque aí poderia contar tudo o que sabia sobre as relações entre seu governo e a CIA, o governo e os serviços de inteligência britânicos, Sarkozy e seus “barbudos”, Berlusconi e a máfia, e poderia também lembrar quem são Jibril e Jalil, principais líderes atuais do Conselho Nacional de Transição e, até bem pouco tempo, seus fieis agentes e servidores.

A lista dos limões espremidos é longa: o panamenho Noriega, agente da CIA convertido em um estorvo, salvou-se do bombardeio ao Panamá que tentava assassiná-lo e jamais foi apresentado em um tribunal legítimo. Saddam Hussein, agentes dos EUA durante a longa guerra de oito anos contra os curdos e contra o Irã, teve sim um processo em um tribunal, mas composto por funcionários dos EUA e carrascos, nada de sua defesa política ganhou repercussão e terminou enforcado de modo infame.

Bin Laden, agente da CIA junto com os talibãs durante toda a guerra contra os soviéticos no Afeganistão e sócio do presidente George Bush na indústria petroleira, foi assassinado desarmado em uma grande operação típica de gangsters e foi lançado ao mar para que não falasse em um processo e para que nem sequer sua tumba pudesse servir como ponto de encontro a todos os que no Paquistão e no Afeganistão repudiam o colonialismo dos criminosos imperialistas.

Agora, os imperialistas franco-anglo-estadunidenses acabam de utilizar a barbárie e o ódio inter-tribal para se livrar de Kadafi que, como prisioneiro, era um perigo para eles. O novo governo líbio que surgirá depois de uma luta feroz entre os diversos clãs e interesses que integram o atual CNT, poderá renegociar assim a relação de forças entre as diferentes regiões e tribos sem o kadafismo e sob a tentativa imperialista de submetê-lo, mas afogou o passado em um banho de sangue e nasce coberto de horror e de infâmia perante o mundo.

Kadafi não será lembrado pelos líbios como um novo Omar Mukhtar, o líder da resistência ao imperialismo italiano enforcado pelos fascistas, porque antes de ser assassinado por seus ex-sócios e servidores também foi responsável por inúmeros crimes e enormes traições. Mas seu linchamento cairá como uma mancha a mais sobre seus executores e sobre os mandantes da turba feroz que o despedaçou aplicando-lhe a pena de morte selvagem que os imperialistas decretam contra seus agentes que precisam despachar. carta maior, 20/10

grécia: poesia e drama na resistência

E se mantém acesa  a vibrante e já heróica resistência do povo grego

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mesmo que  em meio a dias nebulosos,
o povo grego resiste e marcha

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crime contra a humanidade: além da opressão  e da destruição de vidas,
o comandantes do mundo promovem a destruição da história e da memória da
humanidade;  aliás, diz-se que foi asssutadora,  no iraque, a destruição
 e o roubo de monumentos  e peças arqueológicas, feita por ameicanos e europeus
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mas sob as bênçãos de sua milenar e épica história
os gregos esperam e caminham30934
caminham, carregando bandeiras que os povos do mundo inteiro
 reconhecem e abraçam.
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belas e comventes imagens: se na outra foto  o revolucionário latinoamericano che guevara está presente na resistência dos gregos, aqui é a bailarina  que se tornou um símbolo da rebelião do
povo americano, no ocupa wall street, a dançar sobre o touro de wall street, marca da
cegueira e da irracionalidade

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essa última foto lembra aquela do manifestante na tunísia, a
enfrentar solitário e e frágil as froças da repressão
 e da irracionalidade - veja em o desafio da fragilidade

20/10/2011

kadafi morto

foto: folha online 

líbia, petróleo e democracia
Quatro semanas de bombardeios intensos dos caças da Otan precederam a captura e morte de Kadafi, nesta 5ª feira, na Líbia. Sirte, a cidade nuclear no centro das operações, foi reduzida a ruínas. Mais de 100 pessoas morreram nos últimos 10 dias. Há centenas de feridos e encarcerados. A violência não se limita aos combates.Um relatório da Anistia Internacional, de 13 de outubro, "Detention Abuses Staining the New Libya", denuncia a persistencia de prisões arbitrárias, sem julgamento, por parte de milícias incorporadas ao governo provisório rebelde. A prática da tortura é generalizada nas prisões, seja por vingança, seja como método sancionado de coleta de informação. Se o Conselho Nacional de Transição (CNT) não der mostras de "uma ação firme e imediata", diz o Relatório da Anistia, a Líbia corre "um risco real de ver algumas tendências do passado repetirem-se.O documento resume as conclusões de uma delegação da Anistia Internacional que, entre 18 de agosto e 21 de setembro, recolheu os testemunhos de perto de três centenas de prisioneiros em 11 instalações de detenção da capital, Tripoli, bem como de Zawiyah e outras regiões do país. As imagens de Kadafi banhado em sangue, com o rosto desfigurado, morto após captura, ocuparam hoje um espaço de destaque, algo jubiloso, em veículos tradicionalmente empenhados em cobrar o respeito aos direitos humanos, sobretudo de regimes cujos governantes, em sua opinião, não comungam valores democráticos. Carta Maior repudia a tortura, o arbítrio e a opressão --política e econômica, posto que são indissociáveis-- em qualquer idioma e latitude. Não se constrói uma sociedade justa e libertária com o empréstimo dos métodos que qualificam o seu oposto. A história dirá se o que assistimos hoje na Líbia atende às justas aspirações das etnias líbias por liberdade e justiça social, ou configura apenas uma cortina de fumaça feita de bombas e opacidade midiática para lubrificar o assalto das potências ao petróleo local. (Carta Maior; 6ª feira, 21/10/ 2011)